O profundamente pungente “I'm Still Here” de Walter Salles, o retorno do diretor brasileiro à sua terra natal e à forma de fazer filmes que rendeu seu indicado ao Oscar “Central do Brasil”, começa onde talvez todo filme ambientado no Rio de Janeiro deva começar: na praia. Um cachorro vira-lata atrapalha um jogo de vôlei. Meninas passam Coca-Cola na pele como loção bronzeadora. Crianças pequenas jogam futebol e adolescentes paqueradores trocam fofocas sobre estrelas pop e garotos de quem gostam. Na água cristalina, Eunice Paiva (uma reviravolta impressionante da frequentadora de Salles, Fernanda Torres) flutua de costas, apertando os olhos contra o sol. Não há uma nuvem no céu. Mas há um helicóptero.
É Natal em 1970 e o Brasil está há seis anos em uma ditadura militar que duraria mais 15. Mas em um dia como este, entre pessoas como a família Paiva — Eunice, seu marido engenheiro Rubens (Selton Mello), seus cinco filhos jogadores de vôlei, curtidores de Coca-Cola e adotantes de cães e sua governanta Zezé (Pri Helena) — sua presença é sentida principalmente em reportagens de rádio sobre diplomatas sequestrados e no ocasional comboio do exército que circula pela estrada que separa a praia de sua casa grande e arejada.
Por mais que “I'm Still Here” seja a história desta família e do devastador crime sancionado pelo estado que foi infligido a eles, é a história desta adorável casa (onde o próprio Salles, que conhece a verdadeira família Paiva desde os anos 1960, passou muito tempo na adolescência). É um lugar aberto ao mundo, aos convidados, amigos, pebolim e conversas sobre política, música e arte, que gradualmente fica em silêncio e com medo, é esvaziado de companhia e, finalmente, da própria família. Um dia, depois que homens sérios em jaquetas de couro pretas levaram Rubens para “interrogatório”, para nunca mais voltar, e depois que ela mesma suportou muitos dias em uma cela de detenção imunda sendo interrogada sobre atividades de resistência das quais ela nada sabe, Eunice pede a Zezé para encontrar a chave do portão da frente nunca antes trancado, e esse simples gesto parece o fim de uma época.
Ter o destino desta casa bem equipada de classe média alta evocando o de um Brasil cada vez mais oprimido pode parecer uma metáfora forçada, mas a produção cinematográfica profundamente investida de Salles é notável em sua graça e naturalismo. Em cores vintage e esponjosas, intercaladas com filmes caseiros filmados pela filha mais velha, louca por cinema e música, Vera (Valentina Herszage) em uma câmera Super 8 portátil, a fotografia maravilhosamente tátil do diretor de fotografia Adrian Teijido dá a todo o filme a textura de uma história que não está sendo contada, mas lembrada. Com trilha sonora de sambas de Gilberto Gil e sucessos de Caetano Veloso, e em outros lugares com a adorável trilha sonora de piano e cordas de Warren Ellis, há uma melancolia até mesmo nos momentos mais brilhantes de união familiar. E não é por causa de uma sensação de desgraça iminente, mas porque essas cenas soam como memórias e, por mais felizes que sejam, as memórias são sempre tristes em algum nível.
Talvez se o foco fosse somente na perda de Rubens — um pai e marido amado que foi movido por sua consciência a ajudar os oponentes do regime em segredo — o tom de nostalgia que encharca o filme se tornaria piegas. Mas o foco real de Salles (e do livro do filho de Rubens, Marcelo, no qual o filme é baseado) é a resiliência, especialmente como demonstrado por Eunice, que é inteiramente incorporada na performance soberba de Torres. O tipo de mulher que é elegante sem esforço em qualquer roupa, e cujos suflês nunca grudam na panela, após o sequestro de seu marido e sua própria provação aterrorizante, a desenvoltura de Eunice em criar seus filhos e começar de novo, apesar de sua enorme dor e da cruel negação do destino de seu marido pelas autoridades, tornam-se a espinha dorsal de uma história de sobrevivência e coragem silenciosa.
Clássico na forma, mas radical na empatia, “I'm Still Here” sem dúvida não precisa das seções de acompanhamento — uma ambientada em 1996 e a outra em 2014 — que alteram um pouco o ritmo emocional. Mas, por outro lado, esses personagens são tão vívidos que também não queremos deixá-los, e a campanha de Eunice pelo reconhecimento oficial do desaparecimento forçado de seu marido foi um processo que levou muitos anos para dar frutos. Não apenas isso, mas o epílogo de 2014 nos permite um vislumbre da estrela de “Central do Brasil” de Salles e mãe de Torres, Fernanda Montenegro, em um breve papel como a Eunice mais velha.
E talvez o mais crucial, ter o filme terminando com o clã de Eunice agora ainda mais extenso reunido mais uma vez em um jardim arejado para uma fotografia de família sorridente, o transforma em um conto de advertência, dirigido àquelas forças no Brasil e além, que buscariam um retorno à repressão e ao governo pelo medo. O espírito nacional que você busca subjugar sobreviverá a você. As pessoas que você tenta oprimir viverão para vê-lo insultado e rejeitado pela história, enquanto aqueles que resistirem terão canções e histórias escritas sobre eles. Eles inspirarão música e arte em celebração de suas vidas e terão filmes tão dolorosos e belos quanto “I'm Still Here” feitos em sua homenagem.
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